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Foto do escritorRubria Liliane

MINHA HISTÓRIA COM O JAPÃO

Atualizado: 27 de jul.

Nara, primeira capital do Japão - Arquivo pessoal

Eu gosto de ser brasileira, mas especificamente, eu amo a terra Brasil.

Mas eu tenho uma história de amor com o Japão, e vou contar aqui. É como eu gostaria de começar esse post.


De alguma forma, eu fui apresentada a cultura japonesa na adolescência, não lembro muito bem como e quando dessa época.


Mas com o pouco de recurso que eu tinha disponível, tive acesso a mangás, animações japonesas e sempre estava envolvida com a língua de alguma forma. Lia literatura japonesa nas bibliotecas da cidade.


No ensino médio, conheci um colega de classe que tinha aulas de língua japonesa particulares em uma cidade próxima, e ele me ensinava tudo o que aprendia depois da aula. Toda semana eu esperava a próxima aula e aprendia algo novo.


Rabiscos de meus antigos estudos de língua japonesa.

Lembro que foi uma das épocas que mais me senti feliz. Parecia algo tão impossível, e eu estava ali conseguindo aprender uma língua com símbolos complexos!


Não, ele não era privilegiado ou tinha pais ricos. Ele trabalhava em uma lanchonete e pagava o custo das aulas e do transporte para ir a outra cidade.


Não era uma coisa que eu poderia fazer na época, eu já trabalhava vendendo cosméticos e precisava pagar meus cursos profissionalizantes. No próximo ano, eu deveria trabalhar em um lugar que pagasse melhor e então me preparar para a faculdade e mais cursos.


Com o tempo fui aprendendo mais da língua japonesa, e em poucos meses eu conseguia ler e escrever bem em japonês (para alguém que não tinha nenhum contato com a língua e nem a cultura, era ótimo), o hiragana, katakana, e alguns tímidos 5 kanjis, e já conseguia manter uma conversa simples, do dia a dia.


Eu levava meus estudos a sério, e com o tempo, fui fortemente desmotivada a continuar o aprendizado da língua japonesa. Afinal, nos anos 2000 que expectativa uma moça de 17 anos teria para com esse aprendizado? O que ela esperava com isso?


O inglês era o maior desafio e mais importante. Mas nas escolas públicas ninguém saia do verbo to be.


O ano acabou, minhas aulas de japonês acabaram.


Lembro que eu, empolgada, contava para algumas pessoas sobre meus aprendizados de japonês, e haviam deboches sobre minha capacidade de aprender algo tão difícil.


Certa vez, estava eu com algumas pessoas em um restaurante. E tinha um quadro com 3 kanjis. Um desses kanjis era bem comum, tinha algo a ver com felicidade e desejar boas energias ao ambiente. Empolgada que tinha identificado um dos kanjis, e que pelos seus ideogramas, poderia se ler o que aquele quadro significava. Lembro que as pessoas que estavam comigo ignoraram o que eu dizia, e um deles virou e me disse: “Você pode dizer o que quiser, como eu não sei japonês, eu não vou saber se é verdade”.


Me senti tão humilhada, que dali em diante eu deixei de estudar japonês. Guardei tudo o que eu tinha aprendido dentro de uma caixa. Meus exercícios com todas as conquistas que eu achava que era valioso, mas que me disseram que não tinha valor algum. Fechei a caixa e deixei empoeirar.


Aos 18 anos eu fiz uma tatuagem nas costas com o símbolo do taoísmo Yin Yang, e dois kanjis. Eu acho que eu quis marcar essa fase da minha vida dessa forma.


Os anos se passaram, não voltei aos estudos. Evitei o assunto por muito tempo.

Até que, 15 anos depois, conheci meu, hoje, marido. Nascido no Japão, mergulhado na cultura.


Nunca havia sequer pensando no assunto, ou sequer imaginado sobre sua história. Nunca passou pela minha cabeça me relacionar com asiático.


Fomos ao Japão antes de nos casarmos.

Havia momentos que eu nem acreditava no que estava acontecendo. Eu estava no JAPÃO!


Castelo de Inuyama - Arquivo pessoal

Para muitos apenas uma viagem longa e cara. Bonito lugar e linda cultura.

Não para mim. Era muito mais!


Reaprendi com ele o que eu tinha deixado no escuro, nas caixas se desfazendo de tanto tempo guardado aqui dentro. Algumas vezes, caminhando pelas ruas apertadas e limpas do Japão, me deu vontade de chorar.


Hoje, casada e pertencente a uma família de etnia japonesa, me fez refletir como as coisas são uma "caixinha de surpresas" na vida. E como você tem que ter cuidado com o que deseja para a própria vida. Pode se realizar.

Morar no Brasil e ficar entre as duas nações me faz feliz.


NÃO É SÓ UM PAÍS


O Japão é cheio de misticismo e simbologia. E esse país do sol nascente se tornou uma simbologia de superação para mim.


A minha adolescência foi uma fase muito difícil. Sempre em conflito com a religião que eu não queria seguir, imposta pela família (eles faziam o que achavam certo), e a ideia de que eu tinha de mim mesma, é que nunca seria boa o suficiente. Pois nunca conseguia me encaixar.

Estava sempre precisando me corrigir. Não podia fazer esportes, não podia ter amigos fora da igreja, não podia fazer aula de dança, não podia fazer balé, não podia ir em nenhuma festividade escolar, não podia assistir TV, não podia vestir calça ou usar roupas sem manga, não podia comemorar o natal, réveillon, São João, páscoa... estava sempre fora de todas as atividades sociais "normais".


Lembro que uma vez eu vi alguns colegas da minha idade brincando de vôlei na rua de casa e eu não podia brincar, e ficava olhando do portão de casa. Eu chorei tanto que meu rosto ficou inchado por 2 dias.


Quando eu comecei a aprender japonês na escola. Aquilo me salvava. Eu me sentia capaz. Sentia que não era inútil. Que eu podia fazer alguma coisa por mim, sem alguém dizer que não podia.


Me dediquei, e aprendi tanta coisa boa da cultura, que passei a levar para minha vida.

Até estava cogitando conhecer o Japão um dia. Quem sabe. Sonhar não paga nada.


Depois que eu coloquei tudo isso em uma caixa e esqueci. Alguma chama continuou por dentro, pois anos depois, isso voltou como uma tempestade.


Hoje estou vivendo com dois corações. Um brasileiro e outro japonês.


Arquivo pessoal de viagem no Japão



Rubria Liliane Imamura

Jornalista, escritora entusiasta.

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